Há algumas coisas que aprendemos mesmo é com o exemplo do outro, embora as saibamos na teoria, como costumamos dizer por aqui. Digo isso porque aprendi esses dias algo bem prático, todavia não menos laborioso com o amigo Dado Galvão. Na última conversa que tivemos, Dado me falou que estava preparando com um advogado uma Ação Popular contra a eminente instalação do SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) nas dependências do magnífico Centro de Cultura de Jequié – decisão tomada conjuntamente pelas Secretarias de Administração e de Cultura após o prédio da unidade ter sido acometido por um incêndio. Atualmente, ambas as coisas já ocorreram, tanto a ocupação quanto a Ação Popular.
Mas alguém poderia me perguntar: “o que há para se aprender com isso?”. É de chamar a atenção quando um cidadão compreende o papel que tem na sociedade e decide agir de acordo com a sua consciência, lançando mão dos direitos em favor daquilo que acha certo ou contra o que percebe estar errado, em vez de ficar esperando uma mobilização coletiva ou se lamuriando pelos cantos esperando a benevolência dos governantes. Acredito ser muito próprio do espírito democrático quando um cidadão entende que sendo igual a todos, pode lutar inclusive por todos os indolentes, dos quais um dos principais, portanto, seria justo dizer que esse homem é uma multidão constituída por um homem só.
Naquele telefonema, Dado me disse algo que reflete muito nosso jeito de agir socialmente: sabemos fazer mais barulho do que tomar as medidas legais e cabíveis diante de situações conflituosas com o Estado e seus congêneres. Mas veja bem, isso quando, por acaso, fazemos algum barulho, porque, na maioria das vezes, ficamos apenas no cômodo falatório, o que pouco resolve. Pouco resolve também as legítimas manifestações que são feitas quando são possíveis ações legais mais eficazes. Porém, antes que haja uma má interpretação, ou intolerância para o supradito, não estudou me opondo a manifestações, a contrario.
Alguém poderia francamente alegar que não há problema algum, se havendo lugar, deixar funcionar o SAC num espaço cultural, ainda mais que o governo economizaria alguns milhares de reais com o aluguel de outro espaço. Talvez eu pudesse atribuir esse argumento a alguém que é insensível aos detalhes do campo cultural, ou a alguém que acredita no governo como se acreditava na honestidade e benevolência da Irmã Dulce. Contudo, prefiro dizer que eu poderia até concordar com o argumento dos defensores da decisão do Estado, desde que eu fosse dominado por um espírito utilitarista e iludido por argumentos questionáveis que visam apenas a esconder os descansos de nossos governantes, ou melhor, visam à solução mais fácil para quem está no poder.
Se você não se fez essa pergunta, faça-a agora: “haveria como solucionar o problema de outra maneira?” Não sejamos inocentes a ponto de pensarmos de que se a Secretaria de Administração quisesse, ela seria capaz de conseguir outro local para o funcionamento do órgão, pois quando há interesses eleitorais em jogo esse pessoal esforçado sempre consegue. Contudo, não precisamos fazer muito esforço para compreendermos que fica categórica certa má vontade política aliada à falta de sensibilidade para o campo cultural. O que não é nenhuma novidade em se tratando historicamente da disposição para realizações em Jequié, e isso não é apenas por parte do Governo do Estado, sobretudo por parte da Prefeitura, ou o descaso com a Biblioteca Municipal, com o Museu da cidade, com a Casa da Cultura, com as Velas Culturais etc. não se enquadraria?
Centro de Cultura Antônio Carlos Magalhães em Jequié-BA, ocupado pela posto do SAC (Foto no formato original: Zenilton Meira)
Não é a primeira vez que o Centro de Cultura não é tratado com o seu devido valor, mas de igual modo, não é a primeira vez que Dado se mobiliza em favor desse bem cultural. Inclusive, o que muitos não sabem é que a preocupação desse documentarista jequieense por temas ligados à Liberdade de Expressão e aos Direitos Humanos, dentre outros, não começou por questões internacionais, porém, se deu por fatos que aconteceram aqui em Jequié. Portanto, tal preocupação não teve início a partir do proeminente documentário “Conexão Cuba Honduras” (2012, www.dadogalvao.org), que resultou na vinda da blogueira cubana, Yoani Sánchez, ao Brasil. Dado, em uma breve produção fílmica, “Cultura do Ventilador” (2013), protestou na ocasião em que ficamos enrolados pelas promessas do então Governador Jacques Wagner, ou seja, aproximadamente, um ano sem ar condicionado em um dos melhores espaços culturais da Bahia. E quem conhece sabe da preciosidade do espaço de que falo e sabe também da quase impossibilidade de funcionamento do anfiteatro sem o equipamento de ar.
Bem, não precisamos cair na falácia da ideologia representada pelo PT de alegar que ser contra tal ocupação é ser contra a instituição SAC e, por extensão, contra o povo. Não. Todos nós precisamos do Serviço de Atendimento ao Cidadão, e por isso mesmo que é válida a Ação Popular que pode ser deferida a qualquer momento pela instância competente. Em toda essa celeuma, particularmente, fico constrangido por dois motivos: primeiro, positivamente, com a bravura de Dado Galvão, que não apenas foi a Cuba entrevistar a blogueira perseguida; ou articulou com o advogado Fernando Tibúrcio o pedido de Habeas Corpus Extraterritorial (inédito no judiciário brasileiro) para libertar o Senador boliviano Roger Pinto Molina, exilado na embaixada do Brasil na Bolívia (2014, www.missaobolivia.com); ou mesmo porque agora seu novo desafio é o de juntar recursos com os amigos para ir à Venezuela, um dos países mais perigosos do mundo para um jornalista atuar, fazer um novo documentário; fico constrangido de verdade porque Dado se importa com a sua cidade e tenta fazer valer isso à sua maneira. Segundo, constrange-me, negativamente, o fato de termos tantos representantes políticos que pouco representam de fato os seus eleitores. Todavia, como há sempre algo a aprender, aprendamos com quem pode nos ensinar, e que essa Ação Popular abra precedentes para lidarmos com mais força em favor do campo cultural. Sem mais, torço para que nada além daquele poste vá ao chão.
Por: Lucas Nascimento
Escritor e Professor. Doutorando em Língua e Cultura (UFBA), Mestre em Estudo de Linguagens (UNEB), Licenciado em Letras (UESB).